quinta-feira, 19 de maio de 2016

O poder da palavra

Sempre acreditei no poder da palavra. Como diz meu amigo Fred Caju: "o discurso não vence o canhão, mas convence quem aperta o botão." Mas não apenas no seu poder retórico, utilizado na maioria das vezes, e nos dias de hoje, como mera ferramenta de persuasão ideológica. A própria palavra, bem utilizada, pode ser uma arma contra isso, capaz de desconstruir o espírito de rebanho vigente em nosso tempo.

Indo mais adiante, falo também da palavra como manifestação artística: literatura. Só quem lê, sabe o poder que a arte da palavra tem. Falando assim, parece até que só um pequeno número de pessoas têm noção deste fato. Infelizmente, sim. A leitura, apreciação e degustação do texto literário é capaz de tornar as pessoas mais sensíveis ao mundo em sua volta. A falta dele, consequentemente, em muitos casos, impede a abertura destas pequenas fendas no espírito do homo sapiens, algo definitivamente morto em boa parte da população, como já disse o velho Bukowski nos ensaios do "Pedaços de um caderno manchado de vinho" há quase meio século.

E que fique claro: o problema aqui não é o analfabetismo. Exemplos de poetas analfabetos, ou que não chegaram a concluir o ensino básico, temos de sobra. Homens, porém, com espírito e sensibilidade artística, o que não está ligado a diplomas, e formações. É muito comum, nos dias de hoje, se deparar com pessoas formadas (ou não), mas estritamente presas à ignorância e à morbidez eterna. Tudo bem, concordo que o nosso sistema econômico é um condutor massivo para estes estados. O que não nos impede, no entanto, de arrancar a voz que vem das nossas tripas. De filtrar as ideias e informações que chegam até nós, e deixar de ser um mero reprodutor de discursos alheios.

A palavra está aí, esperando por você. De quem é a sua voz?



David Henrique


sábado, 16 de abril de 2016

PEDREIRAS

Tenho sensações instantâneas:
desejo sóis além de céus,
tudo que penso em dizer
já nem desce pro papel,
revelo um mar de segredos
nadando contra meus medos,
ao quebrar dores em pedras
refiz minhas construções
sonhando com outras eras.

Lutas são sempre sofridas,

mas nem todas são perdidas.

David Henrique em "poemas sem cabrestos"


sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Quando vens

Quando vens
o céu se abre como
um sol a brotar
no seio da madrugada.

Quando te vejo
um vagalume solitário
incendeia a escuridão
de uma floresta inexplorada.

Quando tu falas
ouço as vozes do vento
a rasgar o silêncio da noite úmida.

Quando te toco
minha pele aprende
a caminhar sozinha
e logo se desprende de mim.

Quando te bebo
minha boca mergulha
nas águas do ventre
do universo.

Quando te escrevo
encontro todas as palavras
que por um momento,
perdi.


David Henrique

terça-feira, 2 de junho de 2015

Quando encontrei Maria

Foi para Maria
que fiz os melhores poemas
sobre nossa história
de um dia.

Foi para Maria
que fiz a mais bela canção
sobre minha passagem
pelas nuvens do sertão.

Foi para Maria
que decifrei segredos
sobre os mistérios
que nos unia.

Foi para Maria
que inventei um mundo
onde nos encontramos
nos sonhos mais profundos.

Foi somente para Maria
que entreguei meus olhos
no mesmo dia.

David Henrique

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Da música à poesia: a escalada de David Henrique


            Imaginária

     a palavra em pólvora
acende um clarão.

         Ordinária

a palavra-pólvora
contesta a criação.

         Temerária

a palavra pólvora
lembra destruição.

          Incendiária

a pólvora da palavra
entra em combustão.

David Henrique 

  A cidade de Belo Jardim, situada no agreste pernambucano, guarda bem mais do que jardins bonitos. A terra, berço natal do cantor Otto, traz em si um título: cidade dos músicos. E esse nome não foi dado à toa: um grande número de habitantes é ligado ao meio musical. Desde mestres, como o maestro e compositor Professor Ulisses – que no dia 22 de Novembro de 2014 completaria 101 anos de idade – o maestro Vavá Vieira, da centenária Filarmônica São Sebastião, a jovens prodígios como Carlos Eduardo do saxofone, que já participou do Programa Raul Gil, a cidade é repleta de talentos.

            David Henrique Nunes de Lima, também conhecido como Biriguy, faz parte da nova geração de músicos e artistas belo-jardinenses. Nascido no dia 3 de Setembro de 1995, e com apenas 19 anos, ele não apenas canta, toca e compõe: ele escreve poemas. Estudou no Instituto Federal de Pernambuco, no campus da cidade natal. Iniciou sua vida literária aos doze anos, quando começou a recitar poesia. De leitura, ele então passou a escrever, e seus poemas, ditos sem cabrestos, sem formas pré-moldadas e sem regras, ganharam vida no papel.

            Assim como um casulo que se prepara para desabrochar numa borboleta, seus poemas, antes conhecidos apenas por amigos, já foram publicados em diversos concursos literários. Esses poemas possuem uma dimensão ontológica e trazem nas entrelinhas uma forte visão crítica da sociedade estratificada, narcisista e impregnada pelos interesses das classes dominantes. David Henrique faz flutuações entre poesia e o desapego do ser, do querer e do sentir. A métrica, também, é inovadora, como explicada no próprio título de seu segundo livro artesanal publicado: Poemas sem Cabrestos, sua primeira publicação foi virtual, o “Útero de retratos mundanos” editado pela editora Castanha Mecânica está disponível à venda pelo site do Amazon. Em “Poemas sem Cabrestos”, não há nada que os segurem, as linhas dançam no ritmo do poema, resultando em uma desordem do paradigma imposto pelas escolas literárias.
            O erotismo e a lascívia também estão presentes. Ele fala dos ímpetos poéticos como explosões, como um orgasmo. Biriguy também explora a sensualidade das palavras, o sabor que cada sílaba possui, sua pronúncia e seus muitos significados. Assim, juntando o erótico, ao falar das relações humanas, e o poético – muitas vezes direto, rude – ele causa, como em suas próprias palavras, uma “verborragia”, uma hemorragia das palavras no leitor.

            Sua poesia traz críticas não somente locais, mas da sociedade como um todo. Tomando como exemplo dois de seus poemas, veremos claramente a insatisfação com o comportamento humano diante das redes sociais e das tecnologias. No primeiro, ele escreve: “De tanta pose, viver parecia fotografia.”. No segundo, intitulado Contrastes de Infância, ele profere: “Filhos de camponeses/ afagam pássaros/ no Tibete. / Filhos de governadores/ alisam fotos/ no tablete.” É visível a construção de figuras de linguagens, o paradoxo camponês-governador, e a hegemonia do comportamento das pessoas quando postas em contato com as redes sociais. Sempre a mesma forma de agir e de ser.

            Mesmo tão jovem, Biriguy já possui os direitos do selo editorial independente Lara Cartonera, que surgiu através de uma oficina de produção de livros artesanais acontecido no IFPE – Campus Belo Jardim, no fim de 2013. O selo possui uma proposta de reciclar papelão, no intuito de produzir capas de livros e publicar novos autores de Belo Jardim e região que não têm acesso às editoras convencionais. Esse trabalho oferece também uma forma simples, criativa, sustentável e de baixo custo para a divulgação dos trabalhos dos artistas locais.

            Como artista multifacetado, Biriguy também canta em algumas bandas. Sempre de caráter muito universal e experimental, suas músicas transitam entre o samba, rock, folk, salsa, ska e até blues. Seu trabalho de maior projeção no âmbito regional é o Virgulados, banda que contabiliza várias apresentações em Festivais Culturais, Conferências de Cultura, Eventos Alternativos e Festivais Literários, muitos deles acompanhados pela mídia televisiva local.

            Em maio de 2014, o Virgulados foi convidado para participar do FIP (Festival Internacional de Poesia do Recife) junto com Pierre Tenório, outro poeta/performer/compositor belo-jardinense.  Esse encontro resultou em um show chamado Universons, composto por músicas e poemas de ambos artistas, o que causou grande impacto na capital pela inovação e multimusicalidade e visceralidade poética apresentada. Desde então os dois trabalhos se uniram e têm feito várias apresentações em Pernambuco, como no Festival de Inverno de Garanhuns de 2014, na praça da palavra, tendo várias críticas positivas pelo público.

Atualmente, Biriguy deu início a um novo projeto musical, juntamente com  Pierre Tenório e alguns músicos do projeto Universons.  Esse projeto, denominado “Desencontrários”, tem seu nome vindo do poema de Paulo Leminski de título homólogo, e tem, também, como objetivo, traduzir a harmonia entre poesia e música. Eles recitam poemas de forma cantada, as vozes de Biriguy e Pierre entrelaçam-se, dançam, sendo a primeira mais grave em contraposição dos agudos da segunda.

Mas se engana que pensa que toda essa trajetória é acompanhada pelo poder público municipal, pois o grupo mesmo em fase de ascensão, não é convidado para fazer shows em sua terra. Como o próprio Biriguy descreve em um de seus poemas, “Cresci por entre as flores dos jardins desta cidade, / plantei minhas sementes nos canteiros da cidade, / estou me construindo sob o chão desta cidade, / estou dilacerando a visão desta cidade.” ele deixa explícita sua revolta com a ausência de fomento cultural do poder público numa cidade com tantos artistas em crescimento. Isso, porque, uma cidade dita “de músicos”, não possui programas voltados à música, nem o estímulo a artistas nas suas mais diversas manifestações.

Portanto, vemos nos poemas, nas músicas e na vontade de Biriguy uma voz em nome de tantos outros que veem suas oportunidades encarceradas pela falta de investimentos. O “Arte no Parque”, projeto independente de Biriguy e do DJ Mecinho Groove para apresentar as obras de artistas locais e regionais, da mesma forma do “Rock na Praça” de Flávio Henrique e amigos, que visa dar espaço para as bandas de rock da cidade e região, são exemplos da indignação dos habitantes de Belo Jardim, que andam sedentos de cultura. Afinal porque, como o próprio Biriguy diz, “viver de aparência é amputar a consciência”.

Michelle Nogueira


Fontes:
Livro “Poemas sem Cabrestos”, de David Henrique.
Fanpage do Virgulados: https://www.facebook.com/Virgulados

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Mar de chamas


Enfrento correntes de ódio
que querem me destruir
ou plantar ódio em mim.

Prefiro ópio,
ou qualquer coisa
que venha a somar
nesta dança de nuvens
onde resistem
meus sonhos.

Me faço fogo
dentro do frio.

Posso morrer congelado,
derretido, asfixiado,
ou mesmo partido
nos mil pedaços,
mas resisto e persigo
meus próprios rastros.

No bombardeio e na desordem
escondo-me sobre os escombros,
para ressurgir como fênix
trazendo restos mortais
                                      – nos ombros.

David Henrique